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28 de outubro de 2016

Simpósio do Programa de Pós Graduação em Pesquisa e Clínica em Psicanálise da UERJ - 50 anos dos Escritos de Jacques Lacan

Este ano a publicação dos Escritos, de Lacan, comemora seus 50 anos!
Para festejar a data o Programa de Pós Graduação em Pesquisa e Clínica em Psicanálise da UERJ está organizando um Simpósio, com plenárias, mesas-redondas e conferências, que visam discutir a grandiosidade (são 938 páginas!) e a importância deste livro.

Para mais informações sobre inscrição e envio de propostas de trabalho, consulte o site do evento.

O texto da comissão organizadora explica a escolha do tema e a atualidade deste material que, apesar de publicado em 1966, continua nos orientando na prática clínica até hoje.


CONVOCATÓRIA

O ensino de Lacan é um empreendimento monumental que restituiu Freud a Freud. Compõe-se fundamentalmente de 27 Seminários "oficiais" - 1953-1980 - um por ano, e Escritos (os Escritos, assim nominalmente conhecidos, de 1966 [1], e os Outros Escritos, de 2001 [2], além de vários outros pequenos Escritos que foram publicados em diversos veículos, de modo pontual. A publicação da coletânea dos Écrits na França pela editora Seuil em novembro de 1966 produziu um efeito retumbante, levando o ensino de Lacan a um rápido reconhecimento mundial: os cinco mil exemplares vendidos em apenas quinze dias, antes mesmo de qualquer resenha ser publixada – poubellication, palavra-valise que associa a publicação (publication) ao lixo (poubelle), era o termo com que Lacan gostava de se referir às publicações –, não significaram nada se comparados aos quase duzentos mil da edição de bolso. Encontrando Derrida num colóquio em Baltimore um mês antes, Lacan manifestou a ele sua preocupação com a encadernação do livro de quase novecentas páginas: “Isso vai acabar se rompendo”.
A publicação do livro foi tornada possível pelo total empenho do filósofo e editor François Wahl, que reuniu os textos e se dedicou a corrigir e organizar o conjunto a partir de artigos publicados em revistas, cópias corrigidas por Lacan e manuscritos datilografados. A conferência de 1958 “A significação do falo” foi descoberta pouco antes do volume ir para impressão, num papel gasto e endurecido, com inúmeras correções a tinta feitas por Lacan. Wahl trabalhou junto a Lacan durante meses para estabelecer, frase por frase, o texto definitivo de todo o volume. [3]
A dualidade seminário/escrito reproduz a dualidade fala/escrita, que sabemos ser estrutural, axial no ensino lacaniano. Jean-Claude Milner, na sua belíssima Obra Clara [4], cuidou de tratar com o rigor que o caracteriza desse aspecto, distinguindo o "exotérico" - dirigido "para fora", o que é marcado pelo prefixo latino "ex", ensino através da fala em
seminário ao qual ele associa o caráter "protréptico" da transmissão oral, do "esotérico", com "s", que se dirige para o interior de um campo de experiência compartilhada, e que é dotado do rigor do saber, nos Escritos.

Há "pontes", ruas de ligação entre esses dois cursus - seminários e escritos. Uma delas, contudo, merece ser aqui evocada porquanto seja aquela que mais concerne a este Simpósio: Se comemoramos os 50 anos dos Escritos em 2016 é porque, em 1966, quando Lacan decide publicá-los (o que reúne o que de mais importante ele escrevera desde o início de sua atividade de transmissão da Psicanálise, em 1936, até a data da publicação, incluindo os famosos "De nossos antecedentes"), seu seminário era sobre "A lógica da fantasia", título que contém, como ele mesmo comenta no seminário, uma surpresa: discernir uma lógica ali onde se espera o mais ilógico, o mais subjetivamente vago e impreciso, o devaneio livre" - a atividade fantasística! É justamente neste seminário XIV(1966/67) que a escrita começa a ganhar em Lacan o lugar de primazia que ela passará a ter, cada vez mais, em seu ensino,  ou seja, na própria experiência psicanalítica, que dele é indissociável. A ponte, no caso, não é com um dos escritos, mas com o ato mesmo de publicar os Escritos.

Há também a periodização do ensino, marca diacrônica que introduz o real da exigência da temporalidade na elaboração que Lacan vai fazendo da experiência psicanalítica. Essa imposição do real também incidiu sobre Freud, que precisou a ele se curvar em suas duas "tópicas": a primeira e a segunda, que marcam diferenças e descontinuidades radicais e decisivas sem contudo envolver a refutação da primeira pela segunda, pois não é esta a "lógica da investigação psicanalítica", para parafrasear o título da obra de Karl Popper [5], que introduziu a refutabilidade como exigência metodológica na investigação científica. Em Lacan, Milner nomeia, de modo em todos os pontos homólogo às tópicas freudianas, o "primeiro e o segundo classicismos". Tudo muda após o Seminário XVII - O avesso da Psicanálise, e as diferentes assonâncias que este título pode assumir no plano semântico já o indica bem, mas esse inflexão não foi sem a longa preparação que se inicia com o Seminário XI e a "excomunhão" da IPA, a chamada relève logicienne [1][6] que se produz entre os seminários XII e XVI - após a excomunhão e elaborando a virada do Seminário XVII.
Mas os Escritos, cujo primeiro cinquentenário este Programa comemora neste seu simpósio de 2016 [6], pertencem inteiramente ao primeiro classicismo: publicam-se em 1966, embora o ato de sua publicação prenuncie a passagem ao segundo. Para esta momentosa comemoração, convocamos muitos colegas brasileiros e latino-americanos. Quanto a estes, lembramos o que declarou o próprio Lacan em Paris quando, pouco mais de um ano antes de sua morte, preparava-se para vir pela primeira vez à América Latina (Venezuela, Seminário de Caracas, julho de 1980): "Esses latino-americanos, como se diz, que nunca me viram, diferentemente daqueles que estão aqui, nem me ouviram de viva voz, pois bem, isso não os impede de serem lacano. Parece que isso antes os ajuda. Eu me transmiti por lá pelo escrito, e parece que criei raiz. [...] É certo o futuro está lá, e é nisso que me interessa ir lá conferir. Interessa-me ver o que acontece quando a minha pessoa não oblitera o que eu ensino. Pode bem ocorrer que meu matema ganhe com isso, ... e que a isso eu tenha convocado meus lacano-americanos...." [7] (grifos nossos). Nós, que sustentamos a presença do ensino de Lacan na Universidade, e somos assim latino-lacano-americanos, não podemos nos esquivar da responsabilidade política que isso implica no cenário do movimento psicanalítico internacional de orientação lacaniana. Na citação, Lacan afirma justamente ter-se "transmitido [aqui] pelo escrito", já que não o ouvíamos de voz viva na transmissão oral de seus seminários.
Temos, assim, todas as razões para comemorar da forma mais vibrante que esses Escritos de Lacan cheguem aos cinquenta anos, à sua plena maturidade editorial [8]. Eles não só criaram raízes, fizeram um enorme reboliço por aqui e pelo mundo, mas é aqui que, além da Europa e em certo contraponto a ela, ele mais viceja no mundo.



As imagens que escolhemos para dar sua identidade visual ao evento seguem uma ideia que veio à fértil cabeça de uma colega do nosso Programa [9]: transliterar "Écrits" em "É cri !" - É grito, tranlinguisticamente. Gritos de comemoração, que condensam os de medo, pavor, guerra, angústia, horror e amor. Com efeito, os afetos gritantes se escrevem melhor. Seja nas Plenárias, que encarnam seis eixos temáticos extraídos dos Escritos de 1966 e conta com um elenco de primeiríssima linha entre os psicanalistas que tomam a si a tarefa de presentificar a Psicanálise no mundo, seja nas Mesas Simultâneas, em que esse trabalho encontra seus desdobramentos mais específicos, estaremos todos, por três dias, trabalhando sobre os Escritos de Lacan, falando nosso próprio escrito a respeito deles, ouvindo o dos colegas, intervindo em todos os casos. O que será, indiscutivelmente, um grande prazer. 

Au travail, donc!
Comissão Organizadora:


Fernanda Pimentel é psicanalista e atualmente cursa doutorado em Pesquisa e Clínica em Psicanálise na UERJ, pesquisando sobre a psicanálise na atualidade e a clínica contemporânea.
 Atende em consultório em Niterói e Copacabana.