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19 de junho de 2010

Minha homenagem...

"Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro"



Saramago
16 de novembro de 1922 - 18 de junho de 2010

Video: Lacan - Conferência de Louvain - Parte 5 de 7

filhos de pais gays

Artigo da Revista Crescer fala de pesquisa norte-americana que revela que filhos de casais gays são melhores alunos e mais disciplinados do que as crianças criadas por casais heterossexuais


"Ao contrário do que muitos pensam, ter pais homossexuais não prejudica o desenvolvimento das crianças. Pelo contrário, uma pesquisa norte-americana revela que os filhos de lésbicas podem até se desenvolver melhor que os de casais heterossexuais.

Ao todo, 84 famílias americanas, compostas por casais de lésbicas, foram acompanhadas por mais de 17 anos. Todas as mulheres concordaram em responder questionários que seriam enviados periodicamente pelos pesquisadores. As questões abordavam o desempenho escolar e as habilidades sociais das crianças. Ao longo dos anos, os cientistas constataram que elas tinham mais confiança, autoestima, melhor desempenho escolar e eram menos agressivas do que algumas crianças filhos de heterossexuais.


As crianças, assim como as mães, também responderam aos questionários. Foram duas etapas, a primeira aos 10 anos de idade e outra aos 17. As perguntas eram relacionadas à vida social, comportamento, sentimentos, ansiedade e depressão. Com isso, os pesquisadores descobriram que 41% das crianças já tinham sofrido discriminação e enfrentado provocações por serem criadas por pais do mesmo sexo. “Os possíveis problemas a serem encontrados por filhos de pais homossexuais têm a ver com a ignorância e o preconceito social”, afirma o psicólogo Klecius Borges. Aos 10 anos elas apresentavam mais sinais de estresse psicológico do que os filhos de heterossexuais. Mas aos 17 os sentimentos ruins já não faziam mais parte da vida dos adolescentes.


A participação ativa das mães homossexuais é apontada pelos pesquisadores como uma possível causa para o melhor desempenho das crianças. Eles afirmam que lésbicas estimulam seus filhos a lidar com o preconceito e a diversidade. Além de abordar com mais naturalidade temas como sexualidade e tolerância. “Essas mães devem educar seus filhos a partir de uma visão positiva e afirmativa sobre os diferentes modelos familiares e prepará-los para lidar com o preconceito”, diz Borges.


Essa é a primeira pesquisa realizada exclusivamente com casais de lésbicas que constituíram uma família por meio da inseminação artificial. Até então, os estudos nesse sentido eram feitos com crianças criadas por casais gays, mas geradas em diferentes circunstâncias: relações heterossexuais, adoção e também inseminação. Esses estudos anteriores não apontavam diferenças significativas entre os filhos de heterossexuais e homossexuais."

Veja mais aqui.

18 de junho de 2010

"Não se nasce heterossexual"

Como se chega a ser heterossexual? A pergunta já tenta aproximar a primeira ideia que, assim proposta, também pretende matar dois pássaros com um tiro. Primeiro disparo: a sexualidade do sujeito é contingente. Da mesma forma que o vínculo existente entre o significante e o significado; da mesma forma que a relação de contingência que a pulsão mantém com o objeto. Segundo tiro: chegamos a ser heterossexual.

Ambos os disparos incluem uma obviedade dedutiva: a sexualidade do sujeito é um ponto de chegada, não de partida. "Constrói-se" independentemente do sexo anatômico, e essa produção inclui os avatares da lógica fálica, do caso por caso. A essa fábrica, Freud chamou Édipo & Complexo de Castração, e sua matéria-prima pulsional é a linguagem. Ou, lalíngua, que Lacan descreve, como neologismo, em um só termo, essa forma particular de falar e que – parasitando o sujeito – lhe é transmitida por meio da estrutura de parentesco em cada caso.

A sexualidade assume existência a partir dessa linguagem-esburacada e é um conceito cultural que já não é possível confundir com a anatomia genital dos seres falantes. E se é cultural é o mesmo que se perguntar: como é possível que uma alta dama oriental se apaixone por um cavalheiro caucasiano baixinho? Ou como se chega a ser histérico em vez de psicótico?

Mas então, como? Uma resposta pontual pode ser esta: "falando", gerúndio que serve de caminho para que o sujeito chegue. Mas essa falação – "Seminário 22", Lacan –, longe de ser interpretada como um conjunto de códigos comuns para se entender mutuamente, nada mais é do que o representante do gozo sexual. Esse nó é problemático, porque o sujeito já não sabe o que diz quando fala, já que – repetimos – não se trata de "fazer-se entender", mas sim de gozar.

Estamos dizendo, pois, que existe algo chamado falo, que une o real – anatômico, sexual – com o significante. Essa contingência determinará a escolha sexual do objeto. Isto é, ser heterossexual é um acidente no marco da castração do sujeito.

Esse acidente de castração é elaborado em três etapas. E – a julgar pela clínica – se a neurose existe é porque sempre há acidentes, e a passagem do segundo tempo do Complexo para o terceiro – no qual o sujeito reconhece que o pai não é a lei, mas sim que a transmite – é muito mais problemático do que acreditávamos.



Heath Ledger e Jake Gyllenhaal no filme Brokeback Mountain

Mas, então, não nascemos heterossexuais? Não só não nascemos, como também nem que queiramos o somos. A sexualidade, como o corpo, nós a temos, adquirimos, conquistamos. Como dirá Lacan, "é um presente da linguagem". Em todo caso, já desde Freud sabemos que o inconsciente é homossexual desde o momento em que não há mais do que a inscrição de um único significante: o falo. A partir do narcisístico, o autoerotismo tem seu autorrecolhimento sobre o homossexual. A partir de Lacan, o sujeito está ancorado no "todo fálico". Essa posição implica que o inconsciente rejeite o Outro sexo. Segundo se lê no seminário "Ainda" – e isso está na base da axiomática "a relação sexual não existe" –, o gozo enquanto sexual é fálico. Isto é, não se relaciona com o Outro enquanto tal. E também podemos responder a partir da nossa práxis: o inconsciente repete o próprio real, base de todo sintoma: o homossexual também se encontra nele.

Escutamos hoje mais do que nunca certos pacientes (amantes da precisão científica) que se encontram duvidando da potencial escolha sexual de seus filhos. Principalmente porque, em muitos casos, eles mesmos já se divorciaram para viver com uma pessoa de seu próprio sexo. Quando se trata do inconsciente, não há maneira consciente de garantir um não-acidente no trajeto. Assim como não há método para definir um objeto único para a pulsão: se houvesse, estaríamos no campo da natureza e não do ser falante.

Sob uma sociedade muito mais tolerante e melhor informada – o que não é pouco –, podemos acompanhar nesses avatares lógicos o devir de cada experiência subjetiva para – mesmo que não responder sempre – pelo menos perguntar a partir de um lugar em que unam dois pássaros com um só laço: desejo e amor. Isto é, administrar o gozo de uma maneira mais produtiva.

Artigo publicado no blog Significantes.

15 de junho de 2010

Em tempo de Copa...

Não é à toa que futebol é o esporte nacional...
O alvoroço na rua, a agitação das pessoas, buzinas e cornetas rompendo o silêncio, avenidas decoradas de verde e amarelo...
Não tem como passar despercebido o modo como o povo se mobiliza em dia de jogo na Copa do Mundo.
De onde vem a força deste esporte que faz até quem não liga muito para futebol vestir uma camiseta amarela?

Encontrei um artigo do Marco Antônio Coutinho Jorge que fala dessa grande paixão nacional.


A Celebração da Lei

O que é o futebol? Tal pergunta, colocada nas vésperas da Copa do Mundo em que o Brasil aspira ao hexacampeonato, parece sem sentido. Contudo, assim como Roberto DaMatta já mencionou, no campo da sociologia, o “mistério” do futebol, para a psicanálise há nessa interrogação um grande enigma que pede investigação.

Pois a cada semana, em todas as partes do mundo, milhares de pessoas, na grande maioria homens, se comprimem em estádios, muitos verdadeiramente faraônicos, construídos exclusivamente para esse fim, para torcer por seus times e, mais esporadicamente – mas também com maior intensidade -, por seu país. O som produzido nos estádios, de uma qualidade inigualável pelo de qualquer outro conglomerado humano, pode ser ouvido à distância. Em absoluto uníssono, urros, gritos, exclamações, imprecações são produzidos pelos torcedores de modo absolutamente surpreendente, colocando questões fundamentais: o que é, de fato, o futebol? O que ele coloca em cena? O que ele mobiliza? Para a psicanálise, a questão é, no fundo: de onde vem a força desse esporte para reunir multidões, arrancar tantas emoções e despertar tanta fala entre os sujeitos? De onde vem essa violenta paixão?

Algumas coisas do futebol já sabemos com a psicanálise. Sabemos que o esporte, em geral, proporciona uma intensa forma de satisfação, ao colocar em atividade o aparelho motor e oferecer-lhe condições ótimas para descarregar a agressividade. Dito de outro modo, a agressividade é inerente a todo esporte e pode ser bem evidenciada no futebol ao estudarmos a sua linguagem, francamente bélica: ataque e defesa, capitão, artilheiro, tática etc. O time é um miniexército que visa a conquista da vitória. Fala-se de tiro de meta, petardo e canhão (para designar chutes poderosos), de poder de fogo do time etc. Os exemplos são intermináveis e a linguagem futebolística evidencia, com todas as letras, que, inconscientemente, nesse esporte, a guerra comparece velada, traduzida nas exigências da cultura humana. Há alguns anos, a figura da morte, que jamais comparecera no jogo, se tornou presente enfim, com a nova regra da “morte súbita”. Cada jogo é a representação alegórica da guerra. O amor e a guerra são o sal da terra, já dizia o poeta.
O jogo de futebol constitui, de fato, a sublimação das forças (chamadas pela psicanálise de pulsões) de dominação e agressão inerentes ao humano, e as coloca em cena sob uma forma civilizada, passível de ser admitida para que haja convívio entre indivíduos, assim como entre povos. Tal afirmação encontra sua confirmação na manifestação oposta – infelizmente cada vez menos episódica - dos fenômenos de violência entre torcidas, dos quais os hooligans ingleses constituem o bárbaro paradigma, e entre jogadores. Pois a sublimação das pulsões agressivas e sexuais não pode ser total (este é um dos axiomas da psicanálise), elas exigem sempre uma parcela de realização direta de satisfação.
Mas temos uma hipótese que vai um pouco mais longe. Segundo ela, o futebol é, no fundo, a celebração da vigência da Lei humana. É o juiz que, entre os jogadores, conduz a partida e as possibilidades que esta apresenta; é ele quem, invisível (ninguém olha para ele), sem tocar na bola (ele a evita), dá a ela todo seu sentido (inicia e encerra o jogo, o interrompe se achar necessário, valida ou não o gol) e emoldura o quadro no interior do qual todo o jogo se desenrolará. É com referência a ele - presença materializada da Lei em campo, com sua austeridade, seu apito e cartões amarelos e vermelhos -, que os homens se conduzem para conquistar a vitória. A vitória é buscada, mas deve ser obtida dentro da Lei.

Não seria essa efusiva celebração da Lei o que faz com que o futebol encontre no Brasil sua máxima expressão? Num país onde a Lei parece redundar eternamente em fracasso em suas mais diferentes dimensões, os homens bons parecem denunciá-lo ao encontrar no futebol o espaço para celebrá-la em toda sua plenitude e vigor. Isso pode ser uma fecunda indicação para nossos (poucos) políticos que almejam bem-estar social verdadeiro: criar projetos que mobilizem no sentido de ações sociais urgentes parte da energia posta em ação com tanto entusiasmo, quando se trata do jogo de futebol, pelos jogadores, times, torcidas. Pois estes, ao celebrarem periodicamente a Lei nos jogos, demonstram que sabem, ainda que inconscientemente, até onde se pode ir para se conseguir o que se deseja. E isto é a essência da Lei humana. E, por enquanto, algo que no Brasil é raro, a não ser nos domínios desse belo e exemplar esporte.

O poder Legislativo, ao fazer as leis, os juizes, ao aplicarem-na, os promotores, ao fiscalizarem a sua aplicação e os advogados, ao defenderem os sujeitos, deveriam igualmente tomar este exemplo do povo brasileiro e aprender com ele a celebrar a Lei cotidianamente.

1 Texto publicado, com pequenas modificações, sob o título "Efusiva e exemplar celebração da lei", no Caderno Eu &
Fim de semana do Jornal Valor Econômico, São Paulo, 16 a 18 de junho de 2006, ano 6, nº 299, p.13; e parcialmente no
Jornal Panorama, Juiz de Fora, 9 de junho de 2006, ano 3, nº 893, p.2.