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19 de agosto de 2009

QUANDO O AMOR FAZ MAL À SAÚDE: OBESIDADE FEMININA E EROTOMANIA (parte 5 de 5)

5. Um exemplo clínico:

Vânia era obesa mórbida e, em 2003, se submeteu a uma cirurgia de redução do estômago. Quando me procura, em 2006, por ordem da endocrinologista, está com 100 quilos. Este é o motivo da sua consulta: ela, praticamente, readquiriu, nestes três anos, o peso que possuía antes da cirurgia bariátrica.

Vânia tem 54 anos e formação universitária. Entretanto, trabalha numa função burocrática, sem qualquer relação com a sua formação. Aos 37 anos, o marido separou-se dela porque arranjou outra mulher. Foi casada por 15 anos. Antes de se casar, trabalhava na sua profissão. Logo que casou, perdeu o emprego e, a seguir, engravidou. Não voltou a trabalhar fora. Dedicou-se à casa e aos filhos. Foi surpreendida pelo pedido de separação e se sente traída e decepcionada com o ex-marido até hoje. Não compreende como o seu amor, a sua doação integral à casa e à família foi tão mal recebida e não recompensada pelo marido. Investiu tudo no casamento, como mãe e dona de casa. Começou a engordar depois que teve os filhos e nunca mais voltou ao peso normal. Depois da separação, não teve nenhum parceiro amoroso.

Neste relato, o primeiro ponto que desejo destacar é o desaparecimento da sexualidade de Vânia no casamento. Logo que se casa e tem filhos, torna-se toda mãe e parece reduzir o casamento à parceria pai e mãe. Vânia não relata qualquer mal estar sexual durante seu casamento, nem percebeu qualquer sinal e insatisfação ou afastamento sexual do seu marido em relação a ela. Eles trabalhavam, cooperavam, cada qual à sua maneira, para manter e cuidar da família. A família ocupava toda a preocupação de Vânia e a parceria sexual parece ter desaparecido. A recusa em saber algo sobre o mal estar sexual aparece, de forma traumática, com o pedido de separação do marido. Até hoje, Vânia chora, penosamente, ao falar do ex-marido, do divórcio. Ela parece não compreender porque o amor não foi suficiente, não bastou para assegurar a relação com o marido.

Sobre seus pais, ela os descreve, unicamente, como pai e mãe. Constituíram uma família, lutaram muito para sobreviver. Dedicaram-se aos filhos. Interrogada sobre o casamento dos pais, sobre a vida amorosa, sexual deles, ela fica surpresa e não consegue lembrar qualquer sinal ou dizer qualquer coisa sobre o que foi a vida dos pais como casal. Para ela os seus pais eram somente pais: só amor, sem sexo. Declina-se, aqui, novamente, a recusa de Vânia em saber sobre o sexual.

Neste ponto, impõe-se a necessidade de um diagnóstico diferencial: trata-se de uma recusa neurótica ou psicótica? Este diagnóstico não é simples de se fazer, já que Vânia se apresenta numa posição que poderíamos chamar de “posição psicótica” (Coelho dos Santos, 2005, p. 83). Trata-se de sujeitos que se apresentam, ao analista, numa posição de objeto, indicados por outros, portanto, sem uma questão subjetiva, e exibindo sintomas que não são uma formação do inconsciente ou um delírio. Nesta posição ,são sujeitos que nada querem saber, que rejeitam o inconsciente, não associam livremente, nem tampouco apresentam um sintoma para ser decifrado. No caso de Vânia, o seu mal estar deriva do fato de que ela é gorda. Não vou me deter nos detalhes da investigação diagnóstica, pois não é esse o meu objetivo. Não encontrei fenômenos elementares e o modo como Vânia se serve do pai me inclinam a pensar que trata-se de uma neurose.

O ponto que me interessa ressaltar é o modo como se estabeleceu a relação transferencial e o lugar que eu ocupo como analista. Nos nossos encontros, os temas que ela apresenta giram em torno da preocupação e do prejuízo. Ela está sempre preocupada e se sente prejudicada sempre que o Outro não lhe diz as palavras que ela deseja ouvir e que a situam num lugar especial, de valor.Essa demanda tem relação com uma reivindicação ao pai, de quem ela diz que “faltaram palavras”.

A relação comigo, desde o início, é colorida por esta reivindicação: ser tratada como uma exceção, ter um lugar especial. Qualquer tentativa minha de operar uma retificação subjetiva implicando-a enquanto desejante nos eventos que ela relata, tem como resposta lágrimas, hostilidade, recriminações de que não compreende o que eu disse, ou ainda que eu a considero culpada e ela, então, procura se defender dessa injustiça. Definitivamente, neste momento, implicá-la na parte que lhe cabe na tragédia em que vive, não são, para ela, as palavras certas.

Vânia não quer saber sobre o seu inconsciente. Ela procura um lugar especial no Outro. Ela reivindica o amor do Outro. É uma demanda insaciável de amor. Ela quer palavras de amor. Transferencialmente, ela me propõe essa parceria. Isso fica evidente quando, um dia, preciso trocar o seu horário. Ela acata, mas depois me diz que “eu tirei o horário que era bom para ela”. Como resposta, imediatamente, levantei e confirmei, na agenda, o horário que ela queria, dizendo que achava importante ela conservar o horário que era bom para ela. Eu me tornei, na transferência, segundo a indicação de Miller (1995), o seu parceiro-sintoma. Como aponta Coelho dos Santos (2005), nestes casos, aparece a céu aberto, o ponto onde o sujeito se serve do analista como meio de gozo, onde se evidencia a compulsão à repetição e a pulsão de morte.

É claro que essa estratégia transferencial não é uma tentativa ingênua de satisfazer a demanda de amor do sujeito. A meu ver, a resposta do analista a essa demanda é uma resposta que acolhe e interpreta, em ato, possibilitando, simbolizar isso que, até então, não teve paradeiro ou nomeação. O ato interpretativo do analista, na vertente real da transferência, evidencia, recorta, localiza a exigência pulsional.

Vânia quer ser amada. Ela é uma crente do amor. Podemos chamar essa posição de uma posição religiosa, pois o paradigma é a relação com Deus, com as palavras de amor. Trata-se de uma relação amorosa que não é atravessada e, portanto, limitada pelo sexo, pelo desejo. Trata-se da crença em um amor incondicional.

Esta é a vertente erotomaníaca da sexuação feminina. Trata-se de uma exigência pulsional que a relação ao falo não recobre e que se traduz por uma demanda insaciável de amor: fome de palavras de amor.

Penso que esta pode ser uma hipótese frutífera a verificar nos casos de obesidade crônica e obesidade mórbida. A obesidade crônica, em mulheres, do ponto de vista pulsional, pode estar relacionada a uma demanda de amor insaciável, não regulada pelo falo, ou seja, que não está endereçada, localizada, limitada pelo parceiro sexual.

O VALOR DA VIDA - UMA ENTREVISTA RARA DE FREUD

Entrevista concedida por Freud na Áustria em 1926 ao jornalista americano, George Sylvester Viereck.
O material foi publicado na imprensa americana na época e depois novamente no volume Psychoanalysis and the Future, numero especial do "Journal of Psycology", de NY. Em 1976 uma versão condensada foi divulgada pelo o Boletim da Sigmund Freud Haus. 


O VALOR DA VIDA
UMA ENTREVISTA RARA DE FREUD

Concedida ao jornalista George Sylvester Viereck
Alpes Austríacos – 1926
(Tradução de Paulo César Souza)




Freud: Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade.

(Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos. Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou. Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação)



Freud: Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção. Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.
(Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial)


Por que (disse calmamente) deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com sua agruras, chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas - a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr-do-sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?


Viereck: O senhor teve a fama. Sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo - com exceção da sua própria universidade.


Freud: Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos e, francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.


Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?


Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
(Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia)


Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.


Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?


Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.


Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?


Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem constituir uma exceção?


Viereck: Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?


Freud: Sinceramente não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar à vida; movendo-se num círculo, seria ainda a mesma. Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro. Pelo que me toca, estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.


Viereck: Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.


Freud: É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição. Do mesmo modo como um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro Além do Princípio do Prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da "febre chamada viver", anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.


Vierneck: Isto é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartmann.


Freud: A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte. Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por seu aliado dentro de nós. Neste sentido (acrescentou Freud com um sorriso) pode ser justificado dizer que toda a morte é suicídio disfarçado.
(Estava ficando frio no jardim. Prosseguimos a conversa no gabinete. Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud)


Viereck: Em que o senhor está trabalhando?


Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopolizá-la.


Viereck: O senhor teve muito apoio dos leigos?


Freud: Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.


Viereck: O senhor está praticando muito psicanálise?


Freud: Certamente. Neste momento estou trabalhando num caso muito difícil, tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente. Minha filha também é psicanalista, como você vê.
(Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud, acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas)


Viereck: O senhor já analisou a si mesmo?


Freud: Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros. O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.


Viereck: Minha impressão é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristã. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. "Tout comprendre c’est tout pardonner".


Freud: Pelo contrário (esbravejou Freud - suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu), compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é de maneira alguma um corolário do conhecimento. (Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, porque ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça). Minha língua é o alemão. Minha cultura, minha realização é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu. (Fiquei algo desapontado com esta observação. Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças, que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornava-o mais atraente como ser humano. Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!)


Viereck: Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!


Freud: Nossos complexos são a fonte de nossa fraqueza; mas, com freqüência, são também a fonte de nossa força.


Viereck: Imagino, observei, quais seriam os meus complexos!


Freud: Uma análise séria dura ao menos um ano. Pode durar mesmo dois ou três anos. Você está dedicando muitos anos de sua vida à "caça aos leões". Você procurou sempre as pessoas de destaque para a sua geração: Roosevelt, o Imperador, Hindenburg, Briand, Foch, Joffre, Georg Bernard Shaw...


Viereck: É parte do meu trabalho.


Freud: Mas é também sua preferência. O grande homem é um símbolo. A sua busca é a busca do seu coração. Você está procurando o grande homem para tomar o lugar do seu pai. É parte do seu "complexo do pai".
(Neguei veementemente a afirmação de Freud. No entanto, refletindo sobre isso, parece-me que pode haver uma verdade, ainda não suspeitada por mim, em sua sugestão casual. Pode ser o mesmo impulso que me levou a ele. Gostaria, observei após um momento, de poder ficar aqui o bastante para vislumbrar o meu coração através do seus olhos. Talvez, como a Medusa, eu morresse de pavor ao ver minha própria imagem! Entretanto, receio ser muito informando sobre a psicanálise. Eu frequentemente anteciparia, ou tentaria antecipar suas intenções).


Freud: A inteligência num paciente não é um empecilho. Pelo contrário, às vezes facilita o trabalho.
(Neste ponto o mestre da psicanálise diverge de muitos dos seus seguidores, que não gostam de excessiva segurança do paciente sob o seu escrutínio)





Viereck: Às vezes imagino se não seríamos mais felizes se soubéssemos menos dos processos que dão forma a nossos pensamentos e emoções. A psicanálise rouba a vida do seu último encanto, ao relacionar cada sentimento ao seu original grupo de complexos. Não nos tornamos mais alegres descobrindo que nós todos abrigamos o criminoso e o animal.


Freud: Que objeção pode haver contra os animais? Eu prefiro a companhia dos animais à companhia humana.


Viereck: Por quê?


Freud: Porque são tão mais simples. Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão (acrescentou Freud pensativamente) lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a razão por que inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos como Aquiles e Heitor.


Viereck: Meu cachorro é um doberman Pinscher chamado Ajax.


Freud: (sorrindo) Fico contente de que não possa ler. Ele certamente seria um membro menos querido da casa, se pudesse latir sua opinião sobre os traumas psíquicos e o complexo de Édipo!


Viereck: Mesmo o senhor, Professor, sonha a existência complexa demais. No entanto, parece-me que o senhor seja em parte responsável pelas complexidades da civilização moderna. Antes que o senhor inventasse a psicanálise, não sabíamos que nossa personalidade é dominada por uma hoste beligerante de complexos muito questionáveis. A psicanálise torna a vida um quebra-cabeças complicado.


Freud: De maneira alguma. A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa fora do labirinto do seu inconsciente.


Viereck: Ao menos na superfície, porém, a vida humana nunca foi mais complexa. E a cada dia alguma nova idéia proposta pelo senhor ou por seus discípulos torna o problema da condução humana mais intrigante e mais contraditório.


Freud: A psicanálise, pelo menos, jamais fecha a porta a uma nova verdade.


Viereck: Alguns dos seus discípulos, mais ortodoxos do que o senhor, apegando-se a cada pronunciamento que sai da sua boca.


Freud: A vida muda. A psicanálise também muda. Estamos apenas no começo de uma nova ciência.


Viereck: A estrutura científica que o senhor ergueu me parece ser muito elaborada. Seus fundamentos - a teoria do "deslocamento", da "sexualidade infantil", do "simbolismo dos sonhos", etc. - parecem permanentes.


Freud: Eu repito, porém, que nós estamos apenas no início. Eu sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde eu descobri alguns templos, outros poderão descobrir continentes.


Viereck: O senhor ainda coloca a ênfase sobretudo no sexo?


Freud: Respondo com as palavras do seu próprio poeta, Walt Whitman: "Mas tudo faltaria, se faltasse o sexo" ("Yet all were lacking, if sex were lacking"). Entretanto, já lhe expliquei que agora coloco ênfase quase igual naquilo que está "além" do prazer - a morte, a negociação da vida. Este desejo explica por que alguns homens amam a dor - como um passo para o aniquilamento! Explica por que os poetas agradecem a Whatever gods there be, That no life lives forever And even the weariest river Winds somewhere safe to sea.
("Quaisquer deuses que existam/ Que a vida nenhuma viva para sempre/ Que os mortos jamais se levantem/ E também o rio mais cansado/ Deságüe tranquilo no mar".)


Viereck: Shaw, como o senhor, não deseja viver para sempre, mas à diferença do senhor, ele considera o sexo desinteressante.


Freud: (sorrindo) Shaw não compreende o sexo. Ele não tem a mais remota concepção do amor. Não há um verdadeiro caso amoroso em nenhuma de suas peças. Ele faz brincadeira do amor de Júlio César - talvez a maior paixão da História. Deliberadamente, talvez maliciosamente, ele despe Cleópatra de toda grandeza, reduzindo-a uma insignificante garota. A razão para a estranha atitude de Shaw diante do amor, para a sua negação do móvel de todas as coisas humanas, que tira de suas peças o apelo universal, apesar do seu enorme alcance intelectual, é inerente à sua psicologia. Em um de seus prefácios, ele mesmo enfatiza o traço ascético do seu temperamento. Eu posso ter errado em muitas coisas, mas estou certo de que não errei ao enfatizar a importância da pulsão sexual. Por ser tão forte, ela se choca sempre com as convenções e salvaguardas da civilização. A humanidade, em uma espécie de autodefesa, procura negar sua importância. Se você arranhar um russo, diz o provérbio, aparece o tártaro sob a pele. Analise qualquer emoção humana, não importa quão distante esteja da esfera da sexualidade, e você certamente encontrará esse impulso primordial, ao qual a própria vida deve a perpetuação.


Viereck: O senhor, sem dúvida, foi bem sucedido em transmitir esse ponto de vista aos escritores modernos. A psicanálise deu novas intensidades à literatura.


Freud: Também recebeu muito da literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É surpreendente até que ponto a sua intuição prenuncia as novas descobertas. Ninguém se apercebeu mais profundamente dos motivos duais da conduta humana, e da insistência do princípio do prazer em predominar indefinidamente. O Zaratustra diz: "A dor grita: Vai! Mas o prazer quer eternidade Pura, profundamente eternidade". A psicanálise pode ser menos amplamente discutida na Áustria e na Alemanha do que nos Estados Unidos, a sua influência na literatura é imensa, porém. Thomas Mann e Hugo von Hofmannsthal muito devem a nós. Schnitzler percorre uma via que é, em larga medida, paralela ao meu próprio desenvolvimento. Ele expressa poeticamente o que eu tento comunicar cientificamente. Mas o Dr. Schnitzler não é apenas um poeta, é também um cientista.


Viereck: O senhor não é apenas um cientista, mas também um poeta. A literatura americana está impregnada da psicanálise. Hupert Hughes Harvrey O’Higgins e outros fazem-se de seus intérpretes. É quase impossível abrir um novo romance sem encontrar referência à psicanálise. Entre os dramaturgos, Eugene O’Neill e Sydney Howard têm profunda dívida para com o senhor. A The Silver Cord, por exemplo, é simplesmente uma dramatização do complexo de Édipo.


Freud: Eu sei e apresento o cumprimento que há nessa constatação. Mas tenho receio da minha popularidade nos Estados Unidos. O interesse americano pela psicanálise não se aprofunda. A popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa. Pensam compreender algo da psicanálise porque brincam com seu jargão! Eu prefiro a ocupação intensa com a psicanálise, tal como ocorre nos centros europeus. A América foi o primeiro país a reconhecer-me oficialmente. A Clark University concedeu-me um diploma honorário quando eu ainda era ignorado na Europa. Entretanto, a América fez poucas contribuições originais à psicanálise. Os americanos são julgadores inteligentes, raramente pensadores criativos. Os médicos nos Estados Unidos, e ocasionalmente também na Europa, procuram monopolizar para si a psicanálise. Mas seria um perigo para a psicanálise deixá-la exclusivamente nas mãos dos médicos, pois uma formação estritamente médica é, com freqüência, um empecilho para o psicanalista. É sempre um empecilho, quando certas concepções científicas tradicionais ficam arraigadas no cérebro estudioso.
(Freud tem que dizer a verdade a qualquer preço! Ele não pode obrigar a si mesmo a agradar a América, onde está a maioria de seus admiradores. Apesar da sua intransigente integridade, Freud é a urbanidade em pessoa. Ele ouve pacientemente cada intervenção, não procurando jamais intimidar o entrevistador. Raro é o visitante que deixa sua presença sem algum presente, algum sinal de hospitalidade! Havia escurecido. Era tempo de eu tomar o trem de volta à cidade que uma vez abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos.Acompanhado da esposa e da filha, Freud desceu os degraus que levavam do seu refúgio na montanha à rua, para me ver partir. Ele me pareceu cansado e triste, ao dar o seu adeus).


Freud: Não me faça parecer um pessimista (disse ele após o aperto de mão). Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não, enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz - ao menos não mais infeliz que os outros.




(O apito de meu trem soou na noite. O automóvel me conduzia rapidamente para a estação. Aos poucos o vulto ligeiramente curvado e a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram na distância)


http://www.psicorama.com.br/emfoco_detalhe.asp?ID=16

Jornada de Psiquiatria no Rio

A Associação de Psiquiatria do Estado do Rio de Janeiro promove entre os dias 20 e 22 de agosto a jornada de psiquiatria da APERJ com o tema "Consensos e Controvérsias na Psiquiatria Atual". O evento vai discutir questões da saúde mental como: esquizofrenia, estresse e depressão, transtorno bipolar, psiquiatria e medicina do sexo, tratamento das dependências químicas, transtornos alimentares, entre outros motes relevantes. A jornada da Aperj faz parte das comemorações do Ano da França no Brasil, com três palestrantes franceses que vão falar entre outros assuntos sobre resiliência, que é a capacidade do ser humano de superar as adversidades da vida. Caso do vice-presidente José Alencar.

Dentre os Conferencistas já confirmados estão: Analice Gigliotti, Alexandre Valença, André Palmini, Antoine Lejeune, Boris Cyrulnick, Carmita Abdo, Elie Cheniaux, Fabio Barbirato, Fatima Vasconcellos, Gerard Osterman, entre outros.

Todos os psiquiatras da rede municipal e estadual de saúde terão gratuidade na inscrição. Além disso, haverá no sábado às 16h um encontro com a Comunidade, também gratuito. Os temas serão: Esquizofrenia e Transtorno do Humor Bipolar

O evento vai acontecer no Colégio Brasileiro de Cirurgiões - CBC, na Rua Visconde e Silva, 52 - Botafogo.

As Inscrições podem ser feitas através do site www.aperjrio.org.br ou através do telefone: (21) 2548-5141

Fonte: O Glogo

17 de agosto de 2009

O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses.
José Saramago

pra relaxar...

100 frases clássicas do cinema em 200 segundos


Vídeo

Assista aqui à primeira parte da entrevista do biólogo inglês Richard Dawkins na FLIP 2009.
O trecho foi exibido na última segunda-feira, dia 10, no programa Milênio, da Globo News.
O restante irá ao ar hoje, segunda-feira, dia 17, às 23h30.

QUANDO O AMOR FAZ MAL À SAÚDE: OBESIDADE FEMININA E EROTOMANIA (parte 4 de 5)

4. Erotomania e amor

Como apontei, a feminilidade, na sexuação feminina, diz respeito à relação da mulher com com um parceiro sem limites e que Lacan (1985) nomeia como Deus. Trata-se, conforme assinala Lacan, da outra satisfação (fora da lógica fálica) e que consiste nas palavras de amor, no discurso amoroso (Lacan, 1985, p. 112).

O campo da sexuação feminina aponta para um gozo sem limites, que não é regulado inteiramente pela lógica fálica. Coelho dos Santos (2006) ensina que as mulheres, infensas à ameaça de castração, não têm nada a perder e esperam tudo receber. Segundo ela, o desejo de ser tratada como exceção especifica o desejo feminino como sendo essencialmente da ordem da demanda de amor. Miller (2003) denomina essa relação da mulher com de erotomania.

A erotomania, no campo da psicose, constitui-se no delírio de ser amado (Miller, 2006). O postulado fundamental da erotomania é a certeza que o sujeito erotômano tem de ser amado pelo Outro. O exemplo clássico freudiano de erotomania apresenta-se no caso Schreber. Ele constrói um delírio em torno de uma erotomania divina, na qual ele é amado, como uma mulher, por Deus.

A erotomania, na psicose, coloca a céu aberto a relação entre o amor e a loucura. A psicose, sem poder contar com a regulação fálica, exibe a face devastadora do amor, a intensidade desmedida da paixão. A erotomania envolve a recusa do desejo, o esquecimento do sexo. Nesse sentido, o amor louco é sem sexo, isto é, sem relação com o falo. Nesse sentido, como assinala Borie (2006, p. 13) a erotomania representa uma objeção ao amor como resposta ao impossível: a relação sexual que não há.

Estendendo essas noções para o campo da sexuação feminina, Miller (2003) indica a forma erotômana da mulher amar. Amor sem limites, que repousa, justamente, na anulação completa do ter (regulação fálica). É pela via do amor que a mulher visa o ser mais além do ter. Esse estatuto do amor, como mais além do ter, explica o aspecto ilimitado, infinito do amor. Como amar é, fundamentalmente, querer ser amado, isso se traduz, na mulher, por uma demanda insaciável de amor. Esta é a vertente erotomaníaca da sexuação feminina.

Leia a parte 1, 2 e 3 do artigo.
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ESPECTRO AUTISTA

O INSTITUTO FLUMINENSE DE SAÚDE MENTAL, reabrindo suas atividades do seu Centro de Estudos, tem o prazer de convidá-lo para a palestra – ESPECTRO AUTISTA, a ser ministrada pelo Prof. Drº. DANIEL PAGNIN, Professor Adjunto da Infância e Adolescência da UFF e PhD em Neurobiologia e Clínica dos Transtornos Afetivos pela Universidade de Pisa – Itália.

A palestra será proferida no dia 26 de agosto de 2009 – às 20:00 horas, no Centro de Estudos Drº Portella Nunes, localizado na Rua Guilherme Briggs – nº. 51 – São Domingos – Niterói.

Informações:

(21) 2620-4793 / 2622-7628 / 3604-1583.