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5 de março de 2009

Automutilação - Marcas do sofrimento na pele


o que levaria uma pessoa a se ferir ?
A questão da auto-mutilação é muito mais comum do que parece e acontece por inúmeros motivos. Li uma matéria na MarieClaire que fala bem do assunto:

Os cortes que aliviam a dor da alma

Machucar a pele para aquietar a mente. Assim os praticantes da automutilação definem o transtorno que os persegue. Eles se batem, se queimam, até quebram os ossos em momentos de raiva ou tristeza profunda. Aqui você vai ler o relato e os trechos do diário de uma jovem de 25 anos que dilacerava a pele quando o sofrimento interno era insuportável. Ela diz que não se mutila há um ano e três meses, mas ainda luta para superar a depressão


A artista plástica Beatriz*, 25 anos, poderia ser uma jovem comum, dessas que gostam de ir ao cinema, namorar e sonham em construir uma carreira. Mas por baixo das roupas, ela esconde um segredo: cicatrizes de várias formas e tamanhos. Profundas, rasas, algumas pequenas, outras nem tanto. As marcas na pele de Beatriz não existem por causa de um acidente, mas porque ela mesma as provocou. Até pouco tempo atrás, cortava-se com estiletes e facas de cozinha para aliviar a dor de viver. Em outras palavras, provocar dor física, rasgando a pele, deixava a alma momentaneamente calma. Dava prazer. Mas também vergonha -que, assim como as cicatrizes, ficou até hoje. Por isso ela não revela sua identidade. 'Sempre escondi de todos que eu me cortava. A vergonha era tanta que nunca fui ao pronto-socorro dar pontos nos cortes, por mais que soubesse que eles eram necessários', diz.
Beatriz começou a se automutilar na adolescência, aos 12 anos, quando ela se frustrou profundamente com uma nota baixa (D) em uma prova de inglês. Inconformada e com raiva de si mesma, começou a bater a cabeça na parede. Era hora do recreio e a sala estava vazia. Só parou quando a cabeça latejou. O galo roxo no meio da testa trouxe calma, alívio e tranquilidade. 'Fiquei decepcionada comigo mesma. Sempre fui muito perfeccionista, tinha quer ser a melhor em tudo. Na prova seguinte tirei A.' Beatriz descobriu, então, um remédio acessível e eficiente para estancar a dor: machucar o corpo. Daquele dia em diante, começou a se dar tapas, mordidas e socos nos braços e nas pernas todas as vezes em que ficava triste ou com raiva. Dez anos mais tarde, no auge de uma crise de depressão, começou a se cortar com arames, facas, lâminas e qualquer objeto afiado que estivesse ao seu alcance. Mutilou braços, pernas, tornozelos e mãos.
Há três anos, Beatriz faz sessões de terapia com uma psicóloga e toma remédios para superar a automutilação, um transtorno emocional antigo, mas pouco estudado pela ciência. Tornou-se mais conhecido nas últimas semanas, depois do episódio da advogada brasileira Paula Oliveira. Ela foi acusada pela polícia suíça de se automutilar para conseguir indenização do governo, alegando que os cortes foram feitos por neonazistas.
Os automutilados se batem, se cortam, se queimam e até quebram os ossos quando não conseguem lidar com a angústia, a tristeza, a raiva e outros sentimentos difíceis de suportar. Eles não querem pôr fim à própria vida com os cortes. No início, desejam apenas se punir, mesmo que inconscientemente. O primeiro machucado quase sempre acontece por impulso. Muitos dão socos nas paredes, furam as mãos com a ponta do compasso, da lapiseira, com a lâmina do estilete ou um caco de vidro durante um acesso de raiva. Depois de machucados, dizem que se sentem aliviados. A dor física ameniza a emocional. Lesionar-se intencionalmente acaba se tornando a saída para os momentos dolorosos, um vício, como drogas ou álcool.
No Brasil não existem números oficiais da quantidade de pessoas que se machucam para aliviar dores psíquicas. Só no Orkut existem mais de 20 comunidades relacionadas ao assunto. As maiores têm cerca de 600 participantes. Lá, pode-se ler relatos macabros. Em um deles, um participante que se diz gay afirma ter cortado o pênis por não lidar bem com a homossexualidade. 'Cortei o que me incomoda', escreve. No site YouTube, também há vídeos sobre o transtorno, muitos deles feitos por adolescentes que exaltam a automutilação.
Nos Estados Unidos, os estudos são mais avançados. Uma pesquisa publicada em 2006 mostrou que 17% dos jovens entre 18 e 24 anos em uma universidade americana já haviam se cortado intencionalmente uma vez na vida. E 75% deles levaram a prática adiante, sem a intenção de se suicidar. Wendy Lader, presidente da clínica americana S.A.F.E. Alternatives, especializada no tratamento do transtorno, diz que apesar da falta de estatísticas, percebe um crescimento no número de pacientes. 'Em 22 anos de trabalho já tratamos três mil pessoas. Nos últimos anos passamos a ser procurados por indivíduos comuns, médicos e educadores do mundo todo interessados em mais informações. A maioria conhece o problema porque alguém próximo se machuca e logo depois nos procura.'
No Brasil, a maioria dos automutilados ainda está desamparada. O único centro de terapia por aqui é o Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, ligado ao Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo, que trata vários transtornos psiquiátricos, entre eles a automutilação, onde Beatriz faz terapia. 'Antes de conhecer o HC, fui a três psiquiatras que ficaram assustados com o meu problema e não sabiam o que fazer', diz. 'Saí desolada de uma consulta porque o melhor profissional que visitamos mostrou despreparo e me perguntou qual remédio deveria receitar', diz Joana*, mãe de Beatriz.
A origem do transtorno ainda é confusa para os especialistas. Uma parte dos estudiosos defende a ideia de que a autolesão é, sim, uma doença em si. Acreditam na hipótese de que os cortes liberariam mais endorfina em algumas pessoas do que em outras. Quando a substância age no cérebro, provoca sensação de bem-estar que diminui a ansiedade e a tristeza. É dessa maneira que a mutilação acaba se tornando um vício. A outra parte dos especialistas acredita que a automutilação é um sintoma de doenças emocionais, como a depressão. 'Geralmente, está associada a outros transtornos como a dependência química', diz a psiquiatra Jackeline Giusti, responsável pelo ambulatório do HC. 'A maioria das pessoas que se mutila tem dificuldade de lidar com a vida sentimental. Algumas foram abusadas sexual ou fisicamente na infância. E metade delas sofre de algum distúrbio alimentar', diz Wendy, da S.A.F.E.

O COMEÇO DO DESCONTROLE
À primeira vista, Beatriz parece uma jovem alegre. É morena, alta e tem um sorriso largo. A dificuldade em olhar nos olhos dos estranhos sugere timidez. As respostas monossilábicas comprovam. Com o passar do tempo, ela se solta, se mostra simpática e muito bem articulada. Risonha até. Mas quando discorre sobre os momentos mais difíceis da sua vida, abaixa a cabeça e o tom de voz. Silencia. Fala pouco, não faz perguntas nem sorri. Mantém o olhar fundo e distante. E até se contradiz para responder rapidamente a perguntas nitidamente incômodas. Age como quem quer se livrar da memória.
Filha única de pais separados, ela teve uma infância comum. Era boa aluna na escola e fazia aulas de inglês, teclado e natação. Morava com a mãe numa cidade do interior do estado de São Paulo e passava os fins de semana na casa do pai. A convivência familiar era harmoniosa. Ela adorava dar festas de aniversário. Mas aos 11 anos perdeu o contato com o pai por causa de brigas entre ele e sua mãe. A convivência com Leandro*, o padrasto, que viera morar em sua casa, também era difícil. Ela diz que não aceitava as ordens dadas por ele e também tinha ciúmes do padrasto com sua mãe. 'Me senti duplamente abandonada: pelo meu pai, que deixou de me ver, e pela minha mãe, que começou um relacionamento novo', diz. Por causa dos problemas familiares, Beatriz entrou na adolescência como uma menina triste e solitária. Foi se afastando dos amigos, até que os perdeu completamente. Aos 21 anos, entrou em depressão profunda.
Beatriz começou a se cortar aos 22. Estava na faculdade fazendo um trabalho com arame. Frustrada por não conseguir pôr suas ideias em prática, começou a chorar desesperadamente. Sentou no chão, pegou um fio de arame e começou a desenhar listras nos braços. Não chegou a se arranhar, mas aquilo fez com que se sentisse melhor. Beatriz levou o arame para casa. Na segunda vez, também se arranhou. Na terceira, poucos dias depois, se cortou. 'Comecei a me mutilar todas as vezes em que sentia raiva de mim mesma ou culpa de errar. Sempre fazia isso escondido. Não queria que ninguém soubesse. Às vezes era por um motivo bobo: porque eu tropeçava na rua e me sentia ridícula (eu não podia ser ridícula). Quando sentia que chateava alguém, quando brigava com a minha mãe, quando sentia saudade, quando me frustrava. Ao mesmo tempo que a mutilação era uma forma de punição, era também uma redenção. Era um sentimento ambíguo', afirma. 'Uma vez me cortei porque liguei para uma amiga para dar parabéns no seu aniversário e ela me disse, chorando, que o melhor presente que eu poderia dar era parar com a mutilação. Aquilo foi horrível para mim.'
Durante dois anos, Beatriz diz que se cortou quase todos os dias, inclusive quando estava feliz. 'No dia em que entreguei a minha pesquisa de iniciação científica, meu orientador disse que estava tudo certo, que o trabalho estava bom e me encheu de elogios. Fiquei muito feliz, mas era como se não pudesse sentir aquilo. Ao mesmo tempo, me cortar também era uma alegria. Aumentava minha felicidade. É difícil explicar... Então me cortei.' Com o tempo, as colegas de república estudantil e os amigos de faculdade descobriram que Beatriz se mutilava. Foi ela mesma quem contou para alguns deles. A reação dos mais próximos, segundo conta, foi de chegar ainda mais perto para tentar ajudar. As companheiras de apartamento vigiavam-na, faziam companhia, conversavam. 'Mas em um segundo momento as pessoas se cansaram, foram se enchendo o saco porque eu continuava com o mesmo comportamento. Não aguentaram a situação e se afastaram. E eu fiquei pior ainda. Perdi grandes amigos. E as amizades que não perdi ficaram profundamente abaladas.'
...................................................Imagem do diário de Beatriz
AS ETAPAS DO TRANSTORNO
O caminho da automutilação é semelhante ao do vício em drogas. Os cortes começam pequenos e rasos, assim como o vício pelas drogas pode começar com um pega de baseado. À medida que o tempo passa, os cortes também aumentam de tamanho e profundidade, e se tornam tão pesados e destrutivos como uma pedra de crack. 'Só parava de me cortar quando conseguia fazer o corte perfeito. Precisava ter uma simetria. Se fazia um no braço direito, tinha que fazer no mesmo lugar, no braço esquerdo. Comecei com dois cortes, um em cada braço, e cheguei a fazer 30 cortes de uma só vez', diz. 'Se não encontrava o corte perfeito, só parava quando me assustava, quando minha pele estava toda retalhada, destruída.' Variar o instrumento também é importante. 'Teve um momento em que o arame deixou de me satisfazer. Passei para o estilete. Depois a gilete. Mas também usava outras coisas: a ponta do compasso, faca de cozinha, agulha e até cigarro. Nunca fumei, só comprei para me queimar', afirma.
A maioria das vezes em que Beatriz se mutilou foi dentro de casa. 'De manhã ia para a faculdade e não dava para fazer aquilo lá porque alguém poderia perceber. À tarde era um período muito difícil para mim por causa da depressão. O tempo demorava para passar e eu ficava sozinha. Então tomava muitos remédios, até dez de uma só vez. Não queria me intoxicar, só queria que aquela angústia passasse. Mas a consequência é que dormia muito. Me cortava no final do dia, quando acordava. Colocava Elis Regina no som, uma toalha em cima da cama e deitava em cima. Me cortava e gostava de ficar vendo o sangue escorrer. Até brincava às vezes com o sangue, fazia desenhos no meu corpo, passava de uma mão para outra. Aquilo me distraía. Depois entrava no banho, onde também cheguei a me cortar. Quando terminava tudo, quando estava mais calma, lavava a toalha e limpava as gotas que tinham caí-do no chão', diz. 'Depois de um tempo você aprende que partes do corpo sangram mais. O tornozelo, por exemplo, sangra muito. Durante uma época, cortava a palma da mão para não ficar marca, para as pessoas não verem.'
Beatriz diz que não se corta há um ano e três meses. Durante o processo de recuperação, escreveu um diário que traz relatos impressionantes e elucidadores sobre a mente das pessoas que se mutilam. 'Estive pensando nisso. Por mais profundo que seja o corte, já não sinto dor. Será possível que meu corpo, sabendo que meus atos de agressão são conscientes, já não precise da dor como alerta? Das últimas vezes senti náuseas, por tempo prolongado, o que não aconteceu antes. Talvez pela dimensão dos meus atos', escreve.
'Como seria minha vida sem os remédios? Nas últimas semanas, as cápsulas de felicidade foram trocadas e fizeram (ainda estão fazendo) uma rebelião contra o meu corpo. Náuseas, dor de cabeça, tontura. E, além do mais, uma tristeza irreparável, irreprimível, nem mesmo por um mar de sangue. Hoje experimentei a ponta de um compasso depois de uma difícil sessão de vômitos. Tantas coisas na minha cabeça que me canso. Tantas coisas no meu corpo que quero ser ar!'
A cicatriz que ela diz ser o último corte feito mede cerca de três centímetros por cinco e está localizada na batata da perna. É mais escura e mais saliente que o restante da sua pele. Sua mãe havia recebido um convite para uma festa e só podia levar um acompanhante. Chamou o padrasto e Beatriz ficou enciumada. Para muitos, o motivo pode parecer pequeno. Mas para ela não. 'A automutilação traz um prazer interno enorme. Sabe quando você sente um frio na barriga, quando está tudo muito ruim? Depois que eu me cortava, é como se sentisse soltar toda a pressão do balão', afirma.

Beatriz diz que foi a psicóloga quem conseguiu convencê-la a parar com a mutilação. 'Ela me convenceu de que não era legal. Eu não via problema nenhum. Era uma coisa boa, um bem que fazia a mim mesma. Parei para agradar os outros, e não a mim. Eu via que minha mãe ficava desesperada . Quem estava por perto ficava alarmado.' Mas hoje acha que a automutilação é ruim? Silêncio. 'Espero que um dia fale que não quero mais. Por mais que pense diferente agora e saiba que existem outras maneiras de lidar com a vida, acho que...' Respira fundo, desvia o olhar, tamburila os dedos sobre um livro e emudece. 'Sempre vai ter uma vontadezinha, não tem jeito.'

Veja a matéria completa aqui.




4 de março de 2009

Artigo interessante na Revista Época sobre o excesso de medicação ansiolítica no Brasil.

Rivotril: por que o medicamento é o segundo mais vendido no país?
Uma droga barata, mas de tarja preta, contra a ansiedade vende mais do que os tradicionais Tylenol e Hipoglós



Alguma coisa estranha deve estar acontecendo quando um remédio contra a ansiedade – tarja preta, vendido apenas com retenção de receita – se torna o segundo medicamento mais consumido no Brasil. Esse remédio é o velho Rivotril, que tem 35 anos de mercado, mas nos últimos cinco escalou rapidamente o ranking dos mais vendidos até chegar ao segundo lugar. Em 2008, os brasileiros compraram nas farmácias 14 milhões de caixinhas do ansiolítico (o campeão de vendas é o anticoncepcional Microvlar, com 20 milhões de unidades). O Rivotril bate remédios de uso corriqueiro, segundo o IMS Health, instituto que audita a indústria farmacêutica. Vende mais que a pomada contra assaduras Hipoglós, o analgésico Tylenol e outros produtos que os consumidores colocam na cestinha sem saber se algum dia vão usar.

O sucesso espetacular do Rivotril no Brasil não ocorre com outros medicamentos da mesma categoria. A classe dos tranquilizantes é a sétima mais vendida no país – vende menos que anticoncepcionais, analgésicos, antirreumáticos e outros tipos de remédio. A clara preferência pelo Rivotril é um fenômeno brasileiro, que não se repete em outros países.

A escalada desse ansiolítico na lista dos mais vendidos sugere que a população em sofrimento psíquico pode ser maior do que se imagina. Transtornos de ansiedade e depressão são comuns nas grandes cidades, castigadas pela violência, pelo trânsito e pelo desemprego. Mas a pesquisa São Paulo Megacity, uma parceria do Hospital das Clínicas de São Paulo com a Organização Mundial da Saúde, revela que cerca de 40% dos moradores da região metropolitana sofre de algum tipo de transtorno psiquiátrico. É um porcentual que os próprios psiquiatras consideram “assustador” – e que depõe frontalmente contra a imagem de “nação feliz” que os estrangeiros e nós mesmos, brasileiros, gostamos de cultuar.

O segundo problema que leva à indicação excessiva do Rivotril é a precariedade do atendimento de saúde brasileiro, sobretudo de saúde mental. Há falta de psiquiatras no país. Consequentemente, as pessoas não recebem diagnóstico correto e não têm tratamento adequado de seus problemas. Quando o paciente chega ao consultório com enxaqueca, gastrite ou qualquer outra queixa que possa ter alguma relação com ansiedade, frequentemente ganha uma receita de Rivotril. “Os médicos fazem isso porque o remédio é barato (a caixinha mais cara custa R$ 13), antigo e seguro”, diz Luiz Alberto Hetem, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. “Mas ele pode mascarar quadros mais graves.” O ansiolítico acalma e atenua a ansiedade, mas os problemas subjacentes não são diagnosticados. “Grande parte das pessoas nem sequer sofre de ansiedade. A depressão é muito comum”, afirma a psiquiatra Mônica Magadouro. “Mas o atendimento é tão precário que nem se nota a diferença.”

O terceiro fator que contribui para a venda de Rivotril é o que o psicanalista Plínio Montagna chama de “glamorização do ato de medicar-se”. No passado havia preconceito contra os remédios psiquiátricos. Recentemente, houve uma guinada cultural e eles passaram a ser vistos como resposta a todos os problemas da existência. Os médicos (sobretudo os que não são psiquiatras) receitam remédios psiquiátricos com total desenvoltura. Da parte dos pacientes, também existe a expectativa de que isso aconteça.Todos têm pressa.

“Emoções normais e importantes para a mente, como tristeza ou ansiedade em situação de perigo, são eliminadas porque incomodam”, diz Montagna, que é presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Questões existenciais são tratadas como sintomas médico-psiquiátricos, com a colaboração de “uma avassaladora quantidade de dólares” gastos em publicidade pela indústria farmacêutica. “É frequente eu receber para tratamento pacientes com dosagens excessivas de medicação ou coquetéis de diversas substâncias, sem que os aspectos psicológicos tenham sido levados em consideração”, afirma o psicanalista, que também é formado em psiquiatria.

Por trás da precariedade do sistema de saúde e do modismo da medicação, existe a crescente incapacidade das pessoas – e dos médicos – em conviver com um dos sentimentos mais enraizados da psique humana, a ansiedade. Ela está lá desde os primórdios do homem, associada a temores e ameaças indefiníveis. Embora desagradável, é um dos motores da existência. Faz parte da nossa constituição evolutiva. “Ela é um estado de alerta, um estímulo para produzir. O contrário da ansiedade é a apatia”, diz o psicanalista Eduardo Boralli Rocha. Totalmente diferente dessa ansiedade benigna é a combinação explosiva de urgência, competição e sentimento de exclusão que caracteriza o nosso tempo.

“As pessoas sentem que em algum lugar está havendo uma festa para a qual elas não foram convidadas e têm de correr atrás”, diz Boralli. Sigmund Freud, o criador da psicanálise, dizia que a ansiedade era o sintoma de algo que não estava bem resolvido interiormente. Ele diferenciava entre a ansiedade produzida por uma situação externa real e aquela imaginada ou brutalmente amplificada por nossos medos interiores. A primeira não deveria ser medicada, mas ela tornou-se tão presente, tão avassaladora, que é isso que tem sido feito, em larga escala.


Um exemplo está na coleção de propagandas de ansiolíticos acumulada pelo professor Elisaldo Carlini, coordenador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo. São folhetos promocionais que os laboratórios deixam nos consultórios médicos. Um deles mostra uma mulher com um largo sorriso depois de tomar um remédio que corrigiu a ansiedade gerada por três bilhetes recebidos ao mesmo tempo: um do marido, avisando que chegará tarde para o jantar; outro do filho, dizendo que vai trazer o time de basquete para o lanche; e o terceiro da empregada, avisando que faltou ao trabalho porque foi a um posto de saúde. “Viver dá ansiedade, mas criou-se a cultura de que problemas cotidianos devem ser enfrentados com remédios”, diz Carlini. “As mulheres, principalmente, aprendem que precisam ser magrinhas e calminhas.”

Quando indicado segundo os melhores critérios, o Rivotril pode ser bastante útil no tratamento da ansiedade generalizada. O paciente vive angustiado, preocupado, nervoso. Dorme mal, não se concentra e se irrita por qualquer coisa. Sozinho, no entanto, o remédio não resolve o problema. O tratamento depende também do uso de outros recursos, como antidepressivos, psicoterapia e atividade física. O mesmo vale para o tratamento de outros transtornos, como síndrome do pânico, fobias e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Enquanto os antidepressivos demoram cerca de duas semanas para começar a agir, o Rivotril age rápido, assim como outros ansiolíticos (Lexotan, Valium, Frontal etc.). A função desses remédios é ser uma ponte temporária até o início da ação dos antidepressivos. Ou um apoio. A síndrome do pânico, por exemplo, é tratada com antidepressivos. Quando o paciente enfrenta situações que podem provocar recaídas, é comum que o médico recomende que tenha o Rivotril sempre à mão.

Esses remédios, no entanto, não devem ser usados por muito tempo e sem rigoroso acompanhamento médico. Eles podem causar dependência. Há pessoas que desenvolvem dependência em cinco anos. Outras se viciam em menos de 30 dias. Podem ocorrer crises de abstinência com a interrupção da droga. Os sintomas mais comuns são insônia, irritabilidade excessiva e tremores. Não há dose segura contra o vício. “Rivotril não deve ser remédio de uso contínuo. Deve ser reservado para as crises agudas e usado por no máximo seis semanas”, diz o psiquiatra Joel Rennó Jr., coordenador do Projeto de Saúde Mental da Mulher do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Na prática, muitos pacientes recebem a receita de Rivotril e passam meses sem ser vistos por um médico. Quando voltam a consultar um profissional de qualquer especialidade, dizem que o anterior receitou o remédio e se sentiram bem. Acabam saindo do consultório com uma nova receita.

A professora gaúcha Carmen Paula Pinto, de 40 anos, toma Rivotril há cinco, como parte do tratamento de transtorno bipolar. Reclama de efeitos colaterais como sonolência e boca seca. Mas o que mais a incomoda é o enfraquecimento da memória. “Quando leio um livro, muitas vezes tenho de voltar à mesma frase, ao mesmo parágrafo. Uma vez até cheguei a esquecer o que havia almoçado”, diz. Há três anos, decidiu parar de tomar o remédio por conta própria. Sentiu sintomas de abstinência, como tontura e falta de equilíbrio. Depois de alguns meses, decidiu voltar ao remédio. “Estou conformada em ter de depender do remédio por um bom tempo ou até para sempre.”

Carmen é acompanhada por um psiquiatra e compra o remédio de acordo com a orientação dele. Uma parcela dos consumidores chega ao remédio por meio de outros expedientes. “Muita gente consegue adquirir ansiolítico pela internet ou compra receitas em consultórios de quinta categoria”, afirma Rennó Jr. Em uma das pesquisas coordenadas por Elisaldo Carlini, do Cebrid, descobriu-se que um único médico fez mais de 7 mil prescrições de ansiolítico por ano. Houve casos também de falsificação dos receituários. As receitas que ficavam retidas nas farmácias continham o mesmo número de série ou o CRM de médicos mortos ou inexistentes. Formas ilícitas de acesso ao remédio alimentam o uso recreativo de Rivotril. Ele virou um clássico nas baladas entre jovens que o misturam com ecstasy ou álcool. Há várias comunidades no site de relacionamento Orkut criadas por usuários dessa combinação. O Rivotril potencializa a função do álcool. Em doses excessivas, a mistura pode levar ao coma. Há outro tipo de uso, associado ao ecstasy e à cocaína, drogas que deixam as pessoas ansiosas. Elas tomam Rivotril para tentar neutralizar esse efeito. Segundo os especialistas, não adianta.

Por trás do crescimento das vendas do Rivotril há uma história de marketing que merece ser contada. Até 1999, o remédio era promovido entre os médicos apenas como um anticonvulsivante. Era um mercado restrito. Nos últimos anos, surgiram estudos que comprovaram que ele funcionava contra a ansiedade. O fabricante passou a divulgar essa aplicação entre psiquiatras, cardiologistas, neurologistas, geriatras etc. “O sucesso do Rivotril é decorrência do aumento dos casos de transtornos psiquiátricos e do perfil único do nosso produto: ele é seguro, eficaz e muito barato”, diz Carlos Simões, gerente da área de produtos de neurociência e dermatologia da Roche. “E o baixo preço protege o produto.” O Rivotril é 600% mais barato que o seu principal concorrente, o Frontal, da Pfizer. Outra característica ajuda a explicar por que ele vende tanto. É o único de sua categoria disponível também na apresentação sublingual – gotas que agem rápido se colocadas embaixo da língua.

Na casa da aposentada Ecleide Moreira Rodrigues, de 60 anos, não pode faltar Rivotril. Ele é usado com duas finalidades distintas: o filho de Ecleide sofre de epilepsia e não fica sem o remédio. Há um ano, ela também virou adepta do medicamento. Não consegue dormir sem ele. Descobriu que a causa da insônia era estresse e depressão. Chegou a fazer psicoterapia e percebeu que passou a dormir melhor. Mas parou antes de receber alta. “Por relaxo”, diz ela. Em casos como o de Ecleide, a psicoterapia pode dar ótimos resultados. Mas não costuma ser um percurso fácil. Para vencer a ansiedade não basta recorrer a umas gotinhas de Rivotril a cada crise. É preciso reorganizar a vida.

Não tinha como não comentar...

Freud já foi tema de muita coisa. Já vi sua imagem estampada em camisetas, canecas, bonequinhos de pelúcia... Mas essa, pra mim, é novidade...


Você pode adquirir seu Watermelon Flavored Sigmund Freud Head Lollipops (Cabeça de Sigmund Freud sabor melancia) no site.
Será que é verdade? Alguém já tentou comprar?


Será que um pirulito também é só um pirulito?
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3 de março de 2009

A comida não é mais divertida...



Nova geração de crianças nos EUA tem medo dos "maus" alimentos
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Vi
essa matéria, publicada no New York Times no Terra Vida e Saúde:

"Sódio. É isso que preocupa Greye Dunn. Ele também pensa em calorias, e se está consumindo vitaminas suficientes. Mas é o sódio que realmente o assusta. "O sódio faz o coração bater mais rápido, e por isso pode criar algo de muito sério", disse Greye, que tem oito anos de idade e vive em Mays Landing, Nova Jersey.

A mãe de Greye, Beth Dunn, presidente de uma companhia de multimídia, se orgulha da consciência nutricional do menino e o encoraja, servindo alimentos orgânicos em suas refeições e ajudando Greye a ler os rótulos nas caixas de cereais matinais e nas latas de alimentos. "Ele quer ser saudável", diz a mãe.

Beth Dunn está entre os muitos pais que vigiam o consumo de açúcar, alimentos industrializados e gorduras trans de seus filhos. Muitas dessas famílias tentam manter uma dieta orgânica. Em termos gerais, sua preocupação não deriva de temor à obesidade - embora isso seja um fator potencialmente influente - mas sim do desejo de proteger suas famílias contra problemas como a hiperatividade, diabetes e doenças cardíacas, que acreditam possam ser evitadas, ou ao menos administradas, por meio de uma nutrição cuidadosa.

Embora não haja muitos especialistas dispostos a criticar os pais pela atenção dedicada à dieta de seus filhos, muitos médicos, nutricionistas e especialistas em distúrbios alimentares se preocupam por alguns pais estarem demonstrando zelo excessivo, ou até obsessão, em seus esforços por criar bons hábitos de alimentação em seus filhos. Apesar de suas boas intenções, esses pais podem estar criando uma impressão de que os alimentos em geral tendem a não ser saudáveis.

"Vemos muita ansiedade nessas crianças", diz Cynthia Bulik, diretora do programa de distúrbios alimentares da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. "Elas vão a festas de aniversário e não aceitam comer o bolo a não ser que ele seja de granola. A cultura levou as crianças e seus pais a estender a extremos as mensagens de saúde pública".

Tiffany Rush-Wilson, conselheira sobre distúrbios alimentares em Pepper Pike, Ohio, passou pela mesma experiência. "Tenho muitos clientes adolescentes, jovens ou crianças que se queixam de que seus pais administram com cuidado excessivo sua alimentação, com base em padrões de saúde e crenças pessoais", ela diz. "A alimentação dos filhos se torna muito restritiva, e é por isso que eles terminam chegando a mim".

Certamente nem todos os pais que impõe regras sobre alimentos saudáveis - ou qualquer plano de dieta definido - estão encaminhando seus filhos a problemas alimentares futuros. Distúrbios clínicos, como a anorexia nervosa e a bulimia, diagnosticados em um número crescente de adolescentes e jovens nas duas últimas décadas, são vistos pelos especialistas como provenientes de diversas causas, entre as quais motivos genéticos, influência da mídia de massa e pressões sociais.

Até hoje não foram conduzidos estudos formais sobre a possibilidade de que as obsessões dos pais com alimentos saudáveis possam conduzir a distúrbios alimentares. Alguns especialistas afirmam que uma obsessão extrema com alimentos saudáveis é só um sintoma, e não uma causa, de um distúrbio alimentar.

Mas mesmo sem números firmes, relatórios incidentais oferecidos por especialistas sugerem que uma preocupação em evitar "maus" alimentos é uma questão importante para muitos jovens que procuram ajuda.

O médico James Greenblatt, diretor de medicina no Walden Behavioral Care, um hospital que se especializa em distúrbios alimentares infantis e adultos em Waltham, Massachusetts, estima que recentemente tenha visto alta de até 15% no número de pacientes jovens que só comem alimentos orgânicos a fim de evitar pesticidas.

"Muitos dos pacientes que atendemos nos últimos seis anos limitam o consumo de açúcar refinado e produtos com alto teor de gordura devido ao medo de ganhar peso", ele disse. "Mas agora essas preocupações são expressas muitas vezes em termos de questões de saúde"

Lisa Dorfman, nutricionista e diretora do programa de nutrição e desempenho esportivo da Universidade de Miami, diz que muitas vezes vê crianças aterrorizadas diante de alimentos que seus pais consideram "ruins". "É quase como um medo de morrer, um medo de doença, como uma visão ilusória dos alimentos em geral", ela diz. "Vejo crianças cujos pais as levam a hipnotizadores. Vejo garotos de cinco anos de idade que falam como se tivessem 40. Não conseguem comer uma bolacha de chocolate e creme sem expressar preocupação sobre a gordura trans"

Steven Bratman, médico em Denver, cunhou uma expressão que designa as pessoas obcecadas com alimentos saudáveis: ortorexia. Os pacientes ortoréxicos, ele afirma, sofrem de uma fixação quanto a "comer corretamente"(a palavra deriva do prefixo grego "orto", que significa reto e correto).

"Eu digo a eles que são viciados em alimentos saudáveis. É meu modo de estimulá-los a não se levarem tão a sério", disse Bratman, que publicou um livro sobre os consumidores viciados em alimentos saudáveis, em 2001. O problema, ele diz, pode se originar de um lar onde exista uma preocupação exagerada com a "alimentação saudável".

Muitos especialistas em distúrbios alimentares contestam esse conceito. Afirmam que a ortorexia, que não é considerada como diagnóstico clínico de um problema real, representa simplesmente uma variedade da anorexia nervosa ou da gama dos distúrbios obsessivos-compulsivos.

Angelique Sallas, psicóloga clínica que trabalha em Chicago, diz que a idéia de um "distúrbio dos alimentos saudáveis" não tem quase nenhum significado prático. "Não acredito que os sintomas desses suposto distúrbio sejam suficiente diferentes daqueles que caracterizam a bulimia ou a anorexia, e entendo que por isso ele não mereça uma categoria especial de diagnóstico", ela disse. "Trata-se de um distúrbio obsessivo-compulsivo como os demais que conhecemos. O objeto da obsessão é menos relevante do que o fato de que as pessoas que sofrem desse problema estejam praticando um comportamento obsessivo".
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Sobre a ditadura da beleza

"Cada vez mais, meninas e mulheres se submetem a tratamentos diversos para emagrecer, alisar os cabelos e perder pneuzinhos. Na busca incessante pela "beleza ideal", vale qualquer sacrifício. Mas será que vale mesmo? A psicóloga Rachel Moreno, autora do livro A Beleza Impossível - Mulher, Mídia e Consumo (Ágora), fala sobre o tema em palestra gratuita na Livraria da Vila Lorena, dia 04/03, das 19h30 às 21h.

Para ela, o ideal de beleza cria um desejo de perfeição, introjetado e imperativo. "Ansiedade, inadequação e baixa auto-estima são os primeiros efeitos colaterais desse mecanismo. Os mais complexos podem ser a bulimia e a anorexia", afirma, lembrando que mesmo as mulheres adultas podem ter sua estabilidade emocional afetada.

Com depoimentos, reprodução de casos e dados históricos e culturais sobre moda e beleza, o livro reúne argumentos valiosos para combater o massacre diário e midiático. Rachel propõe uma mudança de consciência que beneficiará enormemente as futuras gerações, com mulheres mais autoconfiantes e jovens menos vulneráveis."

Veja a matéria na íntegra aqui.

Livraria da Vila - Al. Lorena, 1731
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